domingo, 29 de dezembro de 2024

Considerações sobre a Psicologia Analítica

por Herley Leite de Paula e Silva

Introdução

A Psicologia Analítica foi desenvolvida por Carl Gustav Jung, um psiquiatra nascido em 1875, em Kesswil, Suíça. Em suas pesquisas foi influenciado por Sigmund Freud, que foi o pai da Psicanálise.

As ideias de Jung influenciaram várias correntes de misticismo, e também influenciaram a Parapsicologia, a Psicologia Integral de Ken Wilber e a Psicologia Transpessoal, desenvolvida entre outros, por Stanislav Grof. Esses outros autores veremos nos artigos subsequentes.

Neste artigo vamos desenvolver alguns conceitos da Psicologia Analítica de Jung, como o campo da consciência, o ego, o inconsciente pessoal, a sombra, o inconsciente coletivo, os arquétipos, o self, a individuação e a sincronicidade.

É importante ressaltar, porém, que nem todos os conceitos de Jung são aceitos pelo autor deste artigo. O objetivo aqui é explicar as ideias de Jung e apontar em quais pontos elas contribuem para este trabalho.

O campo da consciência

A consciência desperta é o nosso campo psíquico imediato. E ela tem certa proximidade com o inconsciente. O inconsciente não é fundamentalmente diferente da consciência, mas apenas representa a parte da mente da qual não temos normalmente um conhecimento.

A função da consciência é observar e registrar. E não apenas o ser humano é dotado da função consciente, mas os animais também o são. A consciência sempre esteve presente, ela nunca sai de cena. Um bebê, por exemplo, já manifesta atividades mentais.

A consciência pode ser vista como um campo ou um espaço, e dentro dessa área circulam vários conteúdos mentais, como pensamentos, emoções, sentimentos, ideias, juízos, instintos e outros. É importante não confundir a consciência com a autoconsciência, ou o ego, que vamos ver em seguida (Stein, 2006, p. 22-25).

No trabalho elaborado neste artigo, o chamado campo da consciência é o espaço onde ficam os pensamentos, emoções e ideias e também pode ser chamado de pré-consciente ou de corpo mental, como veremos num artigo futuro.

O ego

O ego representa o sujeito da consciência. Ele é autoconsciente e funciona como a consciência da consciência. O ego se assemelha a um espelho na qual a consciência se reflete e vê a si mesma. E sua função também é reter os conteúdos no campo consciente.

O ego não é simplesmente a soma dos conteúdos conscientes, como pensamentos ou sentimentos. Ele é como um espelho que tudo reflete e é capaz de “ver” a si próprio. Ele existe desde o nosso nascimento, sendo, portanto, inato. Nunca teve princípio e nunca terá fim.

O ego é o agente do livre-arbítrio, sendo o responsável pelas nossas escolhas. Também é o fator individualizante da psique ou aquele nível consciente que nos distingue das outras pessoas.

O núcleo do ego, como vimos, está conosco desde o nascimento. O ego é o centro e o diretor da consciência. E, apesar de sempre ter existido em forma potencial, precisa se desenvolver e crescer através dos desafios da vida (Stein, 2006, p. 23, 25-28, 33, 34).

Comparando com as ideias aceitas neste artigo, o ego seria o sujeito da consciência individual e uma projeção do self transpessoal. A autoconsciência do ego se caracteriza por um certo isolamento em relação ao mundo e às outras pessoas, enquanto a consciência do self transpessoal é interconectada.

O inconsciente pessoal

O inconsciente pessoal é um nível logo abaixo do campo da consciência e funciona como o espaço da memória, dos pensamentos reprimidos e dos complexos. Tudo do qual nos esquecemos vai para o inconsciente, e também tudo o que reprimimos.

Os complexos do inconsciente pessoal são semelhantes a instintos, e geralmente são consequência de traumas psicológicos da infância (Stein, 2006, p. 23, 26, 41, 52, 56).

A sombra

A sombra representa uma boa parte dos elementos reprimidos pelo ego. Portanto, é uma parte do inconsciente pessoal. Ela representa os nossos sentimentos imorais, egoístas e maus. Ela pode ser comparada ao Id da Psicanálise de Sigmund Freud. Nela fica nossa emoção negativa e nossa propensão para a maldade (Stein, 2006, p. 98-100).

O inconsciente coletivo

Além do inconsciente pessoal existe o inconsciente coletivo. Enquanto o inconsciente pessoal guarda a memória, as propensões e os complexos da nossa personalidade e da nossa vida atual, o inconsciente coletivo conserva a memória da humanidade, como um todo, e também os potenciais chamados de arquétipos. Ele representa, portanto, a natureza fundamental do ser individual e o cenário onde se dá nossa existência psíquica.

Os conteúdos do inconsciente coletivo são os arquétipos, ou padrões psíquicos básicos. O inconsciente coletivo representa a alma do mundo. Ele possui uma natureza coletiva e se define por um caráter substancial. Não é, portanto, um processo, e sim, algo permanente. E essa parte da nossa psique representa o fundamento do ser e de toda a existência.

O inconsciente coletivo é uma totalidade orgânica, unindo indivíduo e mundo. Constitui uma rede interligada de seres e fenômenos. Caracterizando-se pela unidade na multiplicidade, é também a substância de tudo o que existe. Ele é a base do indivíduo e a fonte de sua existência. É um ser em si, não-criado, eterno, autossuficiente, independente e possuidor de conhecimento absoluto. É a realidade que une todos os seres através de uma interconexão universal (Gorresio, 2005, p. 135-141).

Segundo as ideias expostas neste blog, o inconsciente coletivo representa o aspecto coletivo da mente. Ele seria o campo de trabalho do self transpessoal e faz parte do corpo espiritual arquetípico, como veremos em um artigo futuro.

Os arquétipos

Os arquétipos são os conteúdos do inconsciente coletivo. Por muitas vezes eles foram comparados com as “Ideias”, ou “Formas” das teorias de Platão.

Os arquétipos constituem as fontes de energia dos processos psíquicos. São os padrões básicos da mente e podem ser comparados aos instintos. Eles constituem, portanto, os universais psíquicos da mente (Stein, 2006, p. 81-84).

O self

O self, na Psicologia Analítica é o arquétipo central da psique, visto como a imagem de Deus. O self representa a união da consciência pessoal com o inconsciente pessoal e coletivo, e constitui uma dimensão transpessoal.

O self é também o núcleo que preside a individualidade e é responsável pela individuação, ou concretização consciente dos potenciais do indivíduo. A individuação significa tornar-se o self e formar uma individualidade completa. Pode-se dizer, também, que é o estabelecimento do self na consciência pessoal.

O self é um centro virtual e assume uma forma em cada um. Ele tem uma natureza universal e individual ao mesmo tempo. Pode ser comparado a Cristo, que era ao mesmo tempo um personagem histórico e o Deus eterno. Portanto, o self é a verdadeira individualidade e representa a imagem de Deus, segundo a Psicologia Analítica. Ele é o princípio individualizante e o princípio universal simultaneamente (Gorresio, 2005, p. 173-180; Jung, 1968, p. 63).

Na Psicologia Analítica, o self é um arquétipo. Já na visão exposta neste artigo, o self representa a consciência primordial e possui um aspecto individual e um aspecto universal.

A individuação

A individuação é o processo que torna o indivíduo uma unidade consciente distinta e realizada. Antes da individuação, o self está adormecido no inconsciente. Depois ele fica integrado à consciência pessoal. É o estabelecimento do self na consciência.

A individuação é impulsionada pelo self através da compensação. A compensação representa um esforço do inconsciente para influenciar a consciência pessoal. No final desse processo, a totalidade inconsciente original da Participation mystique fica convertida em totalidade consciente (Stein, 2006, p. 170-173).

Neste artigo, o conceito de individuação se assemelha ao conceito de iluminação, na qual realizamos os potenciais da consciência primordial na consciência individual.

A sincronicidade

A sincronicidade é uma das capacidades do inconsciente coletivo e da psique como um todo. Para entendê-la, precisamos analisar a natureza dos arquétipos. Os arquétipos possuem uma natureza psicoide, segundo a Psicologia Analítica, ou seja, eles participam do mundo psíquico e do mundo físico ao mesmo tempo. Um exemplo dessa integração do psíquico com o físico é a Participation mystique que experimentamos na infância. Nessa experiência, não há separação sujeito-objeto, e nos sentimos integrados ao mundo. A sincronicidade representa, então, a união dos mundos físico e espiritual.

A sincronicidade ocorre quando há uma aparente coincidência entre um fenômeno psíquico e um físico, sem uma causalidade discernível. Ocorre, por exemplo, quando pensamos em uma pessoa e logo ela bate à nossa porta. Essa função da psique é fundamental para os fenômenos paranormais, como a percepção extra-sensorial, que inclui a telepatia (Stein, 2006, p. 184-186).

Neste artigo, a sincronicidade pode ser comparada à não-localidade quântica, que estudamos no artigo chamado “Física Quântica e Consciência”, aqui mesmo neste blog.


Referências

Gorresio, Zilda Marengo Piacenti. Os Pressupostos Míticos de C. G. Jung na Leitura do Destino: Moira. São Paulo: Annablume, 2005.

Jung, Carl Gustav. The Collected Works of C. G. Jung, volume 9, part II. Aion: Researches into the Phenomenology of the Self. Tradução: R. F. C. Hull. New Jersey: Princeton University Press, 1968.

Stein, Murray. Jung: O Mapa da Alma: Uma Introdução. Tradução: Álvaro Cabral. Revisão técnica: Marcia Tabone. São Paulo: Cultrix, 2006.