terça-feira, 7 de janeiro de 2025

A Ética e o Desenvolvimento Humano

por Herley Leite de Paula e Silva

A Ética

Como entender a ética

Este assunto já foi abordado em Paula e Silva (2024, p. 114-125), em meu primeiro livro. Porém, pensei que seria melhor fazer uma nova análise do assunto da ética e do desenvolvimento humano aqui, enfatizando os pontos principais.

A ética genuína está fundamentada na interdependência de todos os sujeitos e de todos os fenômenos do mundo. Com isso, entendemos que todas as coisas estão interconectadas. Ninguém é realmente separado, pois a separação é uma ilusão. Nenhum indivíduo é realmente independente das outras pessoas. Essa interconexão é a base da ética, do respeito e da cooperação entre os sujeitos (Dalai Lama, 2000, p. 56).

Os povos e sociedades, em sua totalidade, estão interconectados e não podem existir essencialmente separados. E as culturas não são imóveis, permanentes e basicamente independentes. Nenhuma cultura ou sociedade podem ser plenamente autossuficientes. Os interesses de um povo estão emaranhados com as aspirações de outras sociedades. E cada povo se desenvolveu de acordo com causas históricas. Assim como a interconexão e a interdependência entre os indivíduos leva ao respeito recíproco, a interconexão entre os povos leva à cooperação e ao respeito mútuo (Dalai Lama, 2000, p. 56, 57).

A despeito das diferenças que existem entre as pessoas e entre as sociedades, todos têm o mesmo desejo de alcançar a felicidade e reduzir o sofrimento. O sofrimento não é uma condição apenas de uma determinada pessoa ou povo, mas todos sofrem e desejam a felicidade. Causar miséria e dor a indivíduos e povos, e impedir que sejam felizes, vai contra a razão e a natureza humana (Dalai Lama, 2000, p. 57).

Como todos os espíritos são interdependentes, nossas atitudes para com os outros recaem sobre nós mesmos, já que todos os sujeitos estão fundamentalmente interconectados (Dalai Lama, 2000, p. 57).

Diz Pinker acerca da Regra de Ouro:

Nenhuma criatura dotada de circuitos para compreender que é imoral você me ferir poderia descobrir outra coisa além de que é imoral eu ferir você. Assim como ocorre com os números e o senso numérico, seria de esperar que os sistemas morais evoluíssem na direção de conclusões semelhantes em diferentes culturas ou mesmo em diferentes planetas. E, de fato, a Regra de Ouro foi redescoberta muitas vezes: pelos autores do Levítico e o Mahabaharata, por Hillel, Jesus e Confúcio, pelos filósofos estoicos do Império Romano, pelos teóricos do contrato social como Hobbes, Rousseau e Locke, e pelos filósofos morais como Kant em seu imperativo categórico. Nosso senso moral pode ter evoluído para engrenar-se com uma lógica intrínseca da ética em vez de criá-la do nada em nossa cabeça. (Pinker, 2004, p. 267).

Do texto citado, pode-se entender que não é lógico e racional defender a nossa liberdade e a nossa vida, e, ao mesmo tempo, atentarmos contra a vida das outras pessoas. Nós somos essencialmente iguais; portanto, se é errado alguém me prejudicar, também é errado eu prejudicar outro indivíduo.

Diz Montoro sobre a igualdade essencial das pessoas:

Por que todos os homens têm a mesma natureza e dignidade fundamentais. Nenhum pode ser considerado simples instrumento e ser usado como tal. A finalidade de justiça, como diz Vermeersch, é assegurar a igualdade pessoal dos homens.
“Fundamental é o princípio de que cada ser humano é pessoa, isto é, uma natureza dotada de inteligência e vontade livre”, diz João XXIII, na Encíclica “Pacem in terris”.
São, por isso, incompatíveis com uma exata concepção da justiça todas as doutrinas que negam a igualdade de natureza e dignidade de todo o gênero humano. O que se deu, de forma geral na Antiguidade, com as concepções de desprezo ao estrangeiro, considerado como ser inferior, e o regime de escravidão, geralmente admitido, e justificado por muitos, com a negação de igualdade de natureza entre o senhor e o escravo. Está nesse caso a famosa teoria de Aristóteles, que considerava o escravo um “instrumento vivo”. (Montoro, 1985, p. 173, 174).

Pelo texto podemos concluir que todos compartilhamos uma igualdade e uma dignidade essenciais. Somos, então, fundamentalmente iguais. Ninguém é destinado a ser escravo enquanto o outro é livre.

Existe uma Regra Áurea, compartilhada por todos os povos, segundo a qual não podemos fazer às outras pessoas o que não desejamos para nós mesmos.

Como a ética se desenvolveu

Após a consciência e o organismo chegarem ao nível humano (a partir dos hominídeos), depois de ter passado pela evolução física e mental, que desenvolveram os potenciais da mente e do organismo do ser humano, inicia-se o desenvolvimento humano e cultural. Esse desenvolvimento é a continuação da transformação dos potenciais da consciência. E é preciso frisar que essa transformação cultural é multilinear.

Do hominídeo Australopithecus ao Homo sapiens sapiens, manifestaram-se as bases das competências mentais humanas. E, ao final desse longo processo, o cérebro alcançou a capacidade de servir como instrumento para a consciência e para o pensamento.

A linguagem humana foi se desenvolvendo e nós adquirimos a capacidade de criar culturas. Com esse desenvolvimento, também se manifestaram as bases embrionárias das leis éticas.

A partir de aproximadamente 100.000 a.C., o ser humano passou a acumular experiências e conhecimentos, não se limitando a sofrer apenas transformações biológicas. Esse foi o fundamento para o desenvolvimento espiritual, cultural e humano.

À medida que o tempo foi passando, as culturas e a humanidade como um todo se desenvolveram e se uniram. Os fatores para essa transformação cultural foram: as necessidades do meio cultural e físico, o desejo de mudança, as invenções, a educação, a difusão cultural, as capacidades paranormais e a memória e as potencialidades do inconsciente coletivo.

As dimensões espiritual, religiosa, ética, filosófica, científica, econômica, social, jurídica, artística e política de uma sociedade se desenvolvem em conjunto e de modo interligado.

Todos os aspectos da cultura se transformam ao mesmo tempo. Deste modo, a ética se desenvolve culturalmente em conexão com a filosofia, a religião, a ciência, a arte, a economia, a tecnologia, o sistema político e a organização social. Nenhum aspecto cultural se desenvolve completamente de modo independente.

A espiritualidade, a filosofia e a ética não são aspectos culturais inferiores à economia ou à tecnologia, pois à medida que se desenvolvem, possibilitam a compreensão da universalidade dos direitos humanos.

A ética se desenvolve pelo ato da pessoa se imaginar no lugar de outro indivíduo e sentir suas dores. Ela também se transforma através dos movimentos sociais e pelas mudanças sofridas pelas instituições. E para que a ética se desenvolva, são necessárias condições materiais e sociais que lhe deem suporte.

As pessoas começam a entender a igualdade inerente de todos os seres humanos, bem como suas necessidades e direitos, ao mesmo tempo em que se percebem como integrantes de uma mesma humanidade. E o desenvolvimento econômico, científico, técnico e humano colaboram com essa consciência coletiva mundial (Paula e Silva, 2024, p. 115, 116).

As pessoas, à medida que a História transcorreu, foram expandindo o círculo da solidariedade. No começo, os indivíduos só valorizavam própria família, depois passam a reconhecer como seres humanos unicamente os integrantes de sua tribo. Porém, com o tempo, essa solidariedade passou sucessivamente da tribo para a nação, para o país e para toda a humanidade. Agora também está incluindo as mulheres, as crianças, os pobres, as etnias, os homossexuais e os portadores de necessidades especiais (Pinker, 2005, p. 233, 234).

O desenvolvimento do conhecimento ético conduz à compreensão de que todos os seres humanos possuem uma igualdade e dignidade inerentes e fazem parte de uma grande família humana.

O Desenvolvimento Humano e Cultural

A relação entre a cultura e o desenvolvimento humano

Vamos tratar agora da cultura e do desenvolvimento humano. Neste trabalho utilizamos diversas vezes a palavra cultura. Neste texto, cultura abrange todas as realizações humanas nos diversos setores e contextos da vida.

O desenvolvimento cultural abrange as transformações ocorridas na linguagem, arte, ciência, técnica, leis, religião, alimentação, vestuário e costumes diversos. E o desenvolvimento humano inclui a compreensão dos direitos humanos universais, a redução das desigualdades sociais e econômicas, a redução das desigualdades de gênero, o acesso à educação e à saúde e outros indicadores de bem-estar social.

A cultura se desenvolve em diversos aspectos. Ela se transforma na espiritualidade, na filosofia, na religião, na ética, na ciência, na tecnologia, na economia, na política, nas relações sociais, nas leis, nos direitos humanos, nas artes, na literatura e nas práticas sociais. O ser humano, como coletividade e como indivíduo, tem o potencial para se desenvolver culturalmente em todos esses setores.

Nenhum aspecto, campo ou contexto da cultura é mais importante que outro. A relação com o ambiente, a economia, a tecnologia e a ciência não têm maior importância do que a religião, o direito e a filosofia, por exemplo.

O desenvolvimento humano e cultural abrange todas as dimensões culturais e espirituais da existência humana, não incluindo apenas os campos econômico e social. Por isto, neste trabalho, apresento as duas formas de desenvolvimento (cultural e humano) como interligadas.

Todos os seres conscientes possuem o potencial para se desenvolver na espiritualidade, na ciência e na compreensão dos direitos humanos. As pessoas têm a possibilidade de adquirir conhecimento científico e alcançar diversas capacidades.

O desenvolvimento humano e cultural não se dá apenas com uma única sociedade, fazendo com que ela se torne modelo para as outras. A transformação cultural é uma realização conjunta de todas as sociedades e povos (Paula e Silva, 2024, p. 119).

A humanidade se tornará cada vez mais integrada e unida, mas isto não quer dizer que o mundo todo terá a mesma língua, religião, arte, arquitetura, economia e as mesmas roupas. A integração e o desenvolvimento devem também levar ao reconhecimento e à valorização da diversidade cultural (Linton, 2000, p. 60).

A diversidade cultural deve ser reconhecida e valorizada, mas deve estar em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com os princípios do desenvolvimento humano (Ministério da Justiça, 2013).

Entendendo a unidade da consciência

Existem muitas provas da unidade da consciência humana. São elas: a unidade psíquica da humanidade, a solidariedade geral, a propensão para o desenvolvimento humano, as faculdades psíquicas comuns, as faculdades paranormais e a semelhança no desenvolvimento das culturas.

Vamos tratar primeiramente da unidade psíquica da humanidade. Nossos espíritos são interconectados e se identificam com uma mesma natureza essencial da consciência que têm dentro de si. Esta identificação e esta unidade se manifestam igualmente na cultura.

Há uma incrível semelhança entre sociedades muito afastadas no tempo e no espaço, o que revela a unidade da consciência humana. E a permanência de arquétipos universais e muito antigos em nossa herança social demonstra essa unidade fundamental. Existem muitos elementos culturais que são observados em todas as sociedades, como a crença em deuses e na religião, como a família, o Estado, vários tipos de trabalho, a justiça e as leis (Pelto, 1984, p. 77, 94).

A outra prova da unidade da consciência humana é a solidariedade geral. Em todo o Universo, os seres que habitam os diversos planos de existência revelam uma interconexão e uma interdependência fundamentais, o que mostra a existência de uma solidariedade universal.

Já a propensão para o desenvolvimento humano e cultural consiste nas transformações, por parte das pessoas e povos, de suas técnicas e conhecimentos, ainda que não haja uma necessidade urgente para isso (Linton, 2000, p. 93 e 96). Nesta situação, podemos falar também dos sonhos e das utopias que aspiram a uma existência com maior bem-estar.

Tratemos agora das faculdades psíquicas comuns e das faculdades paranormais. Todos os seres humanos, povos e sociedades possuem as competências da racionalidade e do livre-arbítrio que desafiam o determinismo, almejam o desenvolvimento e exploram novas possibilidades. E temos também as capacidades paranormais. Essas faculdades psíquicas existem em cada ser humano e podemos citar como exemplo delas, a telepatia, a clarividência, a mediunidade e outras que passam a funcionar na vida do espírito, após a morte do corpo físico.

Finalmente, vamos tratar sobre a semelhança no desenvolvimento das culturas. Se fizermos uma comparação entre povos como os astecas e os egípcios, vamos encontrar uma notável semelhança em seu desenvolvimento. Poderíamos citar, como exemplo, suas transformações nos campos da escrita, das ciências, das classes sociais e nas grandes construções, como as pirâmides e palácios (Pelto, 1984, p. 77, 94). A difusão cultural poderia explicar uma parte dessas similaridades, mas não em se tratando de culturas muito afastadas. E é preciso considerar que uma sociedade apenas aceita elementos de outras culturas que possam ser incorporados em seu contexto de desenvolvimento. Além disso, a difusão cultural é um dos meios pelos quais se dá a transformação cultural. A notável similaridade no desenvolvimento de diferentes sociedades se dá, principalmente, devido a uma comunicação quântica não-local e não-temporal entre elas.

Como explicação para todas essas evidências da unidade psíquica da humanidade, devemos considerar os potenciais originados da consciência, as capacidades paranormais, a correlação quântica não-local e os arquétipos psíquicos e sociais desenvolvidos pela alma através de seu desenvolvimento espiritual.

A humanidade manifesta uma consciência coletiva e possui as mesmas faculdades básicas e os mesmos potenciais para acumular conhecimento; ela também possui fundamentalmente as mesmas matrizes de emoção, sentimento e capacidade moral, que se desenvolveram durante a evolução do antropoide para o ser humano.

A humanidade é uma só, como uma consciência coletiva. Era previsível, portanto, que desenvolvesse culturas ao mesmo tempo semelhantes e diversificadas.

As similaridades entre as culturas são gerais e não específicas, de modo que nenhuma sociedade serve de modelo para outra. Com o desenvolvimento cultural multilinear, as várias sociedades e culturas continuam tendo qualidades diversificadas, levando-se em conta os direitos humanos universais (Paula e Silva, 2024, p. 120, 121).


Referências

Dalai Lama. Uma Ética para o Novo Milênio. Tradução: Maria Luiza Newlands. Rio de Janeiro. Sextante, 2000.

Linton, Ralph. O Homem: uma introdução à antropologia; São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Site: Ministério da Justiça. Declaração Universal dos Direitos Humanos. (Acesso em 2013).
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm.

Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, vol. I; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985.

Paula e Silva, Herley Leite. O Místico Idealista. Não publicado. Curitiba, 2024.

Pelto, Pertti J. Iniciação ao Estudo da Antropologia; Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984.

Pinker, Steven. Tabula Rasa. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.