por Herley Leite de Paula e Silva
Introdução
Este assunto já foi tratado em Paula e Silva (2024, p. 06-12), no meu primeiro livro, porém o leitor não precisa se preocupar, porque não vou repetir tudo. Vou tratar do assunto em uma linguagem diferente e abordar aspectos que não foram tratados no livro.
O materialismo filosófico tem uma grande dominância sobre a Ciência e a Filosofia modernas e este texto é um desafio a essa posição. Vou tentar demonstrar que o mundo não é feito apenas de matéria, mas que é dotado de um aspecto espiritual ou imaterial.
Explicando o idealismo filosófico
Existem muitas correntes do idealismo na Filosofia, como o de Platão, Berkeley, Kant, Leibniz, Hegel e outros. Não vou discorrer sobre elas aqui, mas o que elas têm em comum é afirmar que a consciência, e não a matéria é o elemento principal no universo. Goswami (2005, p. 23, 24, 291), utilizou o termo idealismo monista em seus trabalhos, declarando que a consciência é “a base de toda a existência”.
Eu não utilizo o termo idealismo monista, porque há nuances em meu trabalho que poderiam ser percebidas como dualistas. Por isso, prefiro utilizar o termo idealismo filosófico.
O idealismo filosófico, como interpretado neste texto, também defende a ideia de que a consciência é a base do ser. A consciência, e não a matéria é o fundamento de tudo. A matéria é um epifenômeno ou projeção da consciência.
A matéria não tem existência de modo independente da consciência. A matéria é formada por possibilidades quânticas da consciência. Sim, o mundo físico que nós vemos é uma das possibilidades que foi escolhida pela consciência.
As possibilidades quânticas são como ideias presentes num domínio transcendente, fora do espaço e do tempo. A consciência, então, escolhe entre essas possibilidades e traz o mundo físico para a “realidade”.
Este assunto sobre as possibilidades quânticas será melhor entendido no artigo “Física Quântica e Consciência”.
O dualismo sujeito-objeto
Um dos pontos do idealismo filosófico é não-dualidade sujeito-objeto, ou não-dualismo. Essa ideia se opõe ao dualismo radical, em que sujeito e objeto são totalmente independentes.
A não-dualidade consiste na interconexão entre sujeito e objeto. Eles são interconectados e inseparáveis. Se o sujeito parece estar isolado do objeto, isto é apenas uma ilusão.
Até aproximadamente os dois anos de nossa infância, não experimentamos a separação sujeito-objeto, mas vivemos num estado psíquico chamado Participation Mystique (Stein, 2006, p. 160, 161). Nesta condição, nossa consciência está identificada com os objetos e o ambiente ao redor de nós. Apenas após esta fase, passamos a nos perceber como um ego isolado do mundo.
O estado original da consciência é de não-dualismo, ou de identificação com o universo. Porém, quando fazemos a escolha sobre as possibilidades quânticas da matéria, passamos a nos identificar exclusivamente com o ego.
O princípio antrópico
É interessante como as leis da natureza e as constantes físicas da matéria estão perfeitamente ajustadas de modo a tornar possível a vida. Se o valor da carga elétrica do elétron fosse um pouco menor ou maior, a vida não seria possível. Se o valor da força gravitacional fosse um pouco mais alto ou um pouco mais baixo, a vida também não teria sido possível. Se o universo tivesse surgido por puro acaso, como poderia haver um ajuste tão preciso?
Como eu falei antes, a matéria que nós vemos é o resultado da escolha feita pela consciência dentre muitas possibilidades quânticas. Vou dar um exemplo: nós vemos um elétron tomando uma determinada direção, mas antes que nós pudéssemos vê-lo, a trajetória do elétron era um conjunto de possibilidades apontando para diversas direções. É somente depois que a consciência faz a escolha e observa, que o elétron aparece no mundo físico, tomando uma determinada trajetória.
O universo também não tem uma realidade independente da consciência. Pelo contrário, no domínio transcendente havia muitas possibilidades quânticas de universos. E muitos deles possuíam leis naturais que tornariam a vida impossível. O universo escolhido foi justamente aquele que possuía as leis e constantes físicas favoráveis à existência da vida.
Como se dá essa escolha por parte da consciência? Será que um Deus pessoal ou criador, lá do céu, faz uma escolha? Não é assim que funciona, pois esse ser criador estaria sempre olhando para as possibilidades quânticas e as trazendo para a realidade. Deste modo, não haveria mais possibilidades quânticas, e muitos avanços da física não existiriam. Porém, não é assim que se dá a escolha. Esta precisa ser feita por um ser que está identificado com as potencialidades, um ser que também está no mundo e faz parte dele, como nós seres vivos e seres humanos (Goswami, 2006, p. 59).
A única solução possível é que a consciência dos seres que estão encarnando no universo é que faz a escolha entre as possibilidades. Assim, o ser consciente faz a escolha e, ao mesmo tempo, se identifica com o organismo físico e com o mundo.
Quando as possibilidades do universo alcançam uma alternativa em que aparece a primeira célula viva, o ser consciente faz a escolha e se identifica com essa célula. E é nesse momento que o universo vem à existência no mundo físico. Toda a história do universo desde o Big Bang sofre um colapso quântico retroativo no tempo (Goswami, 2005, p. 58).
A origem do universo
O universo físico surgiu a partir do Big Bang, ou grande inflação, há quinze bilhões de anos. Porém, essa história não se deu do modo realista ou independente da consciência que a maioria de nós pensa. O universo surgiu como uma das milhares de superposições quânticas. O Big Bang foi um fenômeno quântico.
A partir do Big Bang, na forma de possibilidade quântica, emergiram várias potencialidades quânticas de universos, com as mais variadas leis naturais e constantes físicas.
Numa dessas possibilidades quânticas de universo, havia uma que levava ao surgimento do Planeta Terra e da vida. E, quando evolui a primeira célula viva no oceano, um ser espiritual consciente, proveniente de um domínio transcendental, se identifica com esse organismo primitivo e provoca o colapso quântico. Com isso, nosso universo foi escolhido pela consciência. E após esse ato, toda a história do universo desde o Big Bang, que era potencial, se torna “real”, numa ação de escolha retroativa.
É possível que haja um ciclo de nascimento e morte de universos. Talvez o nosso universo atual, no futuro, volte a ser um conjunto de superposições quânticas e passe por um novo Big Bang. Quem sabe nosso universo veio de um outro anterior.
A consciência universal e individual
Uma dúvida que pode surgir é como a consciência de um pequeno ser, proveniente do domínio espiritual, teve poder para trazer um universo à existência. E, sabendo que havia bilhões desses seres espirituais, como eles entraram num acordo quanto a trazer o universo físico à existência ou mesmo quanto à alternativa de universo que deveria existir?
Ocorre que a consciência que faz a escolha não é apenas a consciência individual de um pequeno ser espiritual, mas a consciência coletiva de trilhões de seres.
A consciência não é apenas individual, e nem é apenas coletiva, mas é coletiva e individual ao mesmo tempo (Nhat Hanh, 2006, p. 91; Govinda, 1970, p. 123-125). E isso explica o acordo quanto à escolha da alternativa de universo que veio à existência.
Todas as pequenas mentes individuais estão interconectadas em uma consciência coletiva e escolhem um mundo físico que está de acordo com os arquétipos ou ideias da natureza cósmica da consciência. Essa interconexão das mentes levou a uma escolha unificada por parte de todas elas, como se elas fossem uma só. Se não fosse assim, o mundo seria um caos, pois cada um estaria selecionando uma realidade diferente a cada momento (Goswami, 2005, p. 44).
Sobre a existência de Deus
Neste momento chegamos ao ponto da grande questão sobre a existência de Deus ou da realidade última. Eu não me aprofundei neste assunto no meu primeiro livro (Paula e Silva, 2024), mas vamos tratar disto agora.
Na visão exposta neste artigo, a palavra Deus significa a consciência coletiva ou o self universal. E eu não penso que se trate de um ser pessoal ou de uma personalidade divina. Tal ser pessoal seria uma entidade separada do mundo e nós sabemos que há uma interconexão entre a mente e as possibilidades quânticas, que se transformam no mundo físico pela escolha da própria consciência. A consciência, as possibilidades quânticas e o mundo são uma só realidade e não estão separadas.
Além disso, como já vimos, a escolha entre as possibilidades quânticas deve ser feita por um ser que vai se identificar com o mundo físico e não por um ser que está fora do universo.
Talvez a melhor visão que eu poderia propor sobre a realidade última, seria a de um panteísmo espiritualista e transcendente, e não a visão do ateísmo ou das religiões monoteístas (Bozzano, 1970, p. 125, 126). Assim, o princípio universal seria a própria consciência coletiva e, por consequência, cada uma das consciências individuais.
Referências
Bozzano, Ernesto. Pensamento e Vontade. Tradução: M. Quintão. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1970.
Goswami, Amit. A Física da Alma; tradução Marcello Borges – São Paulo: Aleph, 2005.
Goswami, Amit. A janela visionária: um guia para a iluminação por um físico quântico. Tradução: Paulo Salles. São Paulo: Cultrix, 2006.
Govinda, Lama Anagarika. The Way of the White Clouds: A Buddhist Pilgrim in Tibet. Berkeley: Shambhala, 1970.
Nhat Hanh, Thich. Transformações na Consciência: De Acordo com a Psicologia Budista. Tradução: Odete Lara. São Paulo: Pensamento, 2006.
Paula e Silva, Herley Leite. O Místico Idealista. Não publicado. Curitiba, 2024.
Stein, Murray. Jung: O Mapa da Alma: Uma Introdução. Tradução: Álvaro Cabral. Revisão técnica: Marcia Tabone. São Paulo: Cultrix, 2006.