segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Entendendo a Psicologia Integral

por Herley Leite de Paula e Silva

Introdução

A Psicologia Integral foi desenvolvida por Ken Wilber, um filósofo nascido em 1949, em Oklahoma City, Estados Unidos. Em seus trabalhos, foi influenciado por Carl Gustav Jung, o fundador da Psicologia Analítica, e também por textos budistas e textos da religião Vedanta.

Ken Wilber foi um dos fundadores da Psicologia Transpessoal e suas obras podem ser vistas como uma base de apoio para os místicos de várias correntes. Outros autores, como Stanislav Grof, que veremos num artigo futuro, escreveram trabalhos semelhantes ao de Wilber.

Neste artigo vamos tratar de alguns conceitos da Psicologia Integral de Wilber, como a separação sujeito-objeto, a cartografia da consciência, o nível do ego, o nível existencial, as faixas transpessoais, o inconsciente coletivo, o eu transpessoal, o nível da mente e a identificação com o universo.

É importante enfatizar que, assim como no caso da Psicologia Analítica, nem todos os conceitos de Wilber são aceitos neste artigo. O objetivo aqui é explicar as ideias de Wilber e apontar em quais pontos elas contribuem para esta obra.

A separação sujeito-objeto

Um dos pontos tratados por Wilber é sobre a natureza do sujeito e o não-dualismo. A separação sujeito-objeto é dualística. Ela cria uma realidade que vê e outra que é vista. A consciência manifesta uma aparente divisão em sujeito e objeto, porém só a mente é real.

O sujeito e o objeto são diferentes, mas não são realmente separados. A consciência primordial, chamada por Wilber de Nível da Mente, não se refere apenas ao sujeito, mas inclui o sujeito e o objeto (Wilber, 2007, p. 42, 50, 61, 68).

O Nível do Ego

Diz Wilber acerca do Nível do Ego:

Ora, o Nível do Ego é a faixa da consciência que compreende o nosso papel, a imagem que temos de nós mesmos, com os seus aspectos conscientes e inconscientes, bem como a natureza analítica e discriminativa do intelecto, da nossa “mente” (Wilber, 2007, p. 19).

A exclusiva identificação com o ego, segundo Wilber, pode ser chamada de “dualismo terciário”. O ser passa a se sentir como um indivíduo isolado. Em vez de transcender o tempo comum, o ser vive preso no passado, presente ou no futuro.

No nível do ego, a pessoa vive apenas na mente e se divorcia do corpo. Agora ela passa a discriminar entre o eu e o outro e fica voltada apenas para os aspectos intelectuais (Wilber, 2007, p. 19, 106, 107).

As Faixas Biossociais

As Faixas Biossociais representam a sociedade dentro do indivíduo. As pessoas passam a absorver a linguagem e os demais conteúdos da cultura, como a religião, as leis e os costumes. E a experiência nesse nível é, em boa parte, inconsciente.

Nas Faixas Biossociais, vivemos refugiados na linguagem, na lógica e na matemática. Ela é também um nível intelectualizado, como o ego.

O dualismo do ego é fortalecido nessa faixa, apesar de existir uma consciência coletiva. A ideia do eu e do outro é enfatizada, mas não num sentido positivo. O indivíduo passa a se importar muito com o status pessoal e a busca de poder (Wilber, 2007, p. 108-110, 182).

O Nível Existencial

Diz Wilber sobre o Nível Existencial:

O segundo nível principal, o Nível Existencial, envolve o nosso organismo total, tanto o soma quanto a psique e, assim, compreende nosso sentido básico de existência, de ser, a par com nossas premissas culturais, que modelam de muitas maneiras a sensação básica de existência. Entre outras coisas, o Nível Existencial forma o referente sensorial da nossa auto-imagem: é o que sentimos quando evocamos mentalmente o símbolo da nossa auto-imagem. Forma, em suma, a fonte persistente e irredutível de uma consciência separada do Eu (Wilber, 2007, p. 19).

O Nível Existencial é faixa de dualismo anterior ao Ego isolado. No Nível Existencial, o ser se identifica com o organismo, estando mais ligado ao conjunto de corpo e mente. Há um grande desejo por existência física nesse nível e a pessoa também se sente destacada do universo e do ambiente.

Os indivíduos identificados com o organismo passam a ter um senso difuso de vontade e liberdade, não ligado à discriminação puramente intelectual.

Nesse nível estamos mais próximos da Consciência Cósmica e não nos importamos tanto com discriminações mentais ou sociais. Temos uma percepção mais aberta sobre a realidade (Wilber, 2007, p. 98, 104-107).

As Faixas Transpessoais

Diz Wilber sobre as Faixas Transpessoais:

Podemos aqui fazer uma pausa para dizer que às faixas entre o Nível da Mente e o Nível Existencial, damos o nome de Faixas Transpessoais. Nelas se encontram o inconsciente coletivo de Jung, a percepção extra-sensorial, a testemunha transpessoal, a projeção astral, as experiências fora-do-corpo, as experiências de platô, a clariaudiência e outras ocorrências que tais. Isto é, elas ocorrem nas faixas do espectro em que o limite entre o eu e o outro não se cristalizou de modo completo. Se todos esses fenômenos existem mesmo, ou não, não é assunto que nos interesse agora — mas, se existirem, ocorrerão nas Faixas Transpessoais (Wilber, 2007, p. 97).

Nas Faixas Transpessoais ficam, então, o inconsciente coletivo, o Eu Transpessoal e o indivíduo que se identifica com esse nível pode manifestar fenômenos paranormais.

Segundo Wilber, nas Faixas Transpessoais também se encontram os arquétipos e o corpo causal (ou espiritual) da doutrina Vedanta. Nós estudamos sobre os arquétipos no artigo “Considerações sobre a Psicologia Analítica” e vimos que eles são os universais psíquicos da mente. E sobre o corpo espiritual, vamos tratar em um artigo futuro. Ele se assemelha à ideia do corpo causal, que também é o repositório dos arquétipos.

Nas faixas transpessoais o dualismo sujeito-objeto fica bastante reduzido. A pessoa não se identifica apenas com o ego isolado, mas já começa a se identificar com o universo e com a consciência primordial (Wilber, 2007, p. 98, 137, 219).

O inconsciente coletivo

Diz Wilber sobre o inconsciente coletivo:

A ideia do “inconsciente coletivo” de Jung, se bem um tanto ou quanto incrível, é muito simples. Assim como o corpo do homem contém universalmente dez dedos, um baço, dois rins, etc Jung acreditava que a “mente” do homem poderia conter símbolos universais ou “arquétipos”, que, por serem biologicamente conferidos a toda a espécie, não poderiam ser meramente pessoais ou individuais e por isso mesmo eram transpessoais ou “coletivos” (Wilber, 2007, p. 215).

O inconsciente coletivo está situado nas faixas transpessoais. Ele conserva os arquétipos ou a memória de todos os atos humanos. Essa memória influencia nossas ações futuras, como se fossem hábitos arraigados.

O inconsciente coletivo é o repositório dos arquétipos. Os arquétipos podem ser vistos como padrões universais da mente humana. E também podem ser entendidos como instintos, sementes mentais ou potenciais que influenciam nosso comportamento (Wilber, 2007, p. 137, 215).

De acordo com as ideias expostas neste artigo, não se pode confundir a Consciência Primordial, que Wilber chama de Nível da Mente, com o Eu Transpessoal e com o inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo está ligado ao corpo espiritual e funciona como um conjunto de programas utilizado pelo Eu transpessoal.

O Eu Transpessoal

O Eu Transpessoal também está situado nas faixas transpessoais. A distinção entre as pessoas não está totalmente solidificada. Neste nível, o ser apenas observa o fluxo dos acontecimentos e não interfere em nada. Não se identifica com nenhum fenômeno da vida física ou mesmo dos mundos sutis.

Ainda há uma sutil separação sujeito-objeto nesse nível. O Eu Transpessoal não é ainda a Consciência Cósmica ou primordial. Ele ainda observa o cosmo, ao passo que no Nível da Mente, a pessoa se identifica com o universo (Wilber, 2007, p. 97, 98, 219, 220).

O Nível da Mente

Diz Wilber sobre o Nível da Mente:

O terceiro nível básico, aqui denominado Mente, costuma ser cognominado consciência mística, e inclui a sensação de que nos identificamos fundamentalmente com o universo. Assim sendo, onde o Nível do Ego inclui a mente e o Nível Existencial inclui a mente e o corpo, o Nível da Mente inclui a mente, o corpo e o resto do universo. Essa sensação de identificação com o universo é muito mais comum do que poderíamos supor inicialmente, pois — num determinado sentido, que tentaremos explicar — é o próprio fundamento de todas as outras sensações. Em poucas palavras, o Nível do Ego é o que sentimos quando nos sentimos pai, mãe, advogado, homem de negócios, americano, ou qualquer outro papel ou imagem particular. O Nível Existencial é o que sentimos “debaixo” da nossa autoimagem; ou seja, é a sensação de existência organísmica total, a convicção íntima de que existimos como o sujeito separado de todas as nossas experiências. O Nível da Mente — como buscaremos demonstrar — é o que estamos sentindo neste momento antes de sentirmos qualquer outra coisa — uma sensação de identificação com o cosmo (Wilber, 2007, p. 19).

O nível da Mente é o estado original. Neste nível nos identificamos com o universo. Com o dualismo primário, que origina o Nível Existencial, abandonamos nossa identificação com o universo e nos identificamos com o organismo, e depois com o ego isolado. Esse dualismo primário levou à separação sujeito-objeto

A percepção no nível da Mente é atemporal e não fica presa ao passado, ao presente ou ao futuro.

Com a separação sujeito-objeto, o Nível da Mente ficou reprimido para o inconsciente. Na iluminação, nós vivenciaremos o Nível da Mente de modo consciente. Porém, na vivência do Nível da Mente, não há mais a separação sujeito-objeto.

No Nível da Mente, os arquétipos do corpo espiritual, ou corpo causal, são suspensos. Além disso, não apenas observamos o cosmo, mas nos tornamos o próprio universo (Wilber, 2007, p. 87, 98, 102, 119, 218, 222).

As ideias de Wilber a respeito dos níveis da consciência são bem parecidas com as que estão expostas neste artigo. A nomenclatura, porém, é diferente. O Nível da Mente eu chamo de Consciência Primordial, e o Eu Transpessoal eu chamo de Self Transpessoal, o que não muda quase nada. O Nível Existencial poderíamos chamar de corpo vital. O corpo causal eu denomino corpo espiritual. As explicações sobre o ego e o inconsciente coletivo são parecidas.


Referências

Wilber, Ken. O Espectro da Consciência. Tradução: Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007.