sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Ética


por Herley Leite de Paula e Silva

O significado da ética

Segundo o Dalai Lama (2000, p. 56), a verdadeira ética se baseia na interconexão de todas as coisas. Isto quer dizer que todas as coisas são interdependentes. Nós não somos totalmente separados. Não pode existir uma pessoa que seja totalmente independente das outras. Essa interdependência é o fundamento para o respeito mútuo e para a cooperação.

Todos os povos e sociedades são interdependentes e um não existe sem o outro. Não existem culturas petrificadas, imutáveis e inerentemente isoladas. Não há nenhuma sociedade ou cultura totalmente independentes. Cada povo tem seus interesses entrelaçados com os interesses de outros povos. E os povos também são produtos de processos históricos. Como a interdependência das pessoas é um fundamento para o respeito mútuo, a interdependência dos povos deve levar ao respeito entre eles e à cooperação.

Além disso, apesar das diferenças que possam existir entre os indivíduos e os povos, todos têm um interesse comum de evitar o sofrimento e atingir a felicidade. Nenhuma pessoa ou sociedade tem privilégio nesse sentido, pois todos sofrem e todos querem ser felizes. Infligir sofrimento a pessoas e povos e obstar sua felicidade é contrário à natureza humana e também totalmente irracional.

De acordo com Pinker (2004, p. 267), não há lógica em defender a nossa vida e liberdade, enquanto tiramos a vida e a liberdade dos outros. Segundo Montoro (1985, p. 174, 175), todos compartilhamos uma igualdade fundamental. Todos somos iguais.

Diz o Dalai Lama:

"Entretanto, como já vimos, pelo fato de nossos interesses estarem inextricavelmente ligados somos impelidos a aceitar a ética como uma interface indispensável entre o meu desejo de ser feliz e o seu". (Dalai Lama, 2000, p. 57).

Devido à interconexão entre todos os espíritos o que fazemos aos outros traz consequências a nós mesmos, pois há uma união fundamental de todos os sujeitos.

A Regra Áurea, presente em todos os povos, sustenta que não devemos fazer aos outros o que não queremos para nós mesmos.

O desenvolvimento da ética

Quando a consciência e o corpo chegam ao estágio humano (a partir do Homo Habilis), depois de ter atravessado uma longa evolução biológica e mental, que concretizaram as potencialidades da consciência e do corpo do ser humano, começa o desenvolvimento cultural multilinear. Ele continua como um desenvolvimento das potencialidades da consciência.

Do Homo Habilis ao Homo Sapiens (estágio atingido em aproximadamente 100.000 a.C.), são manifestados os fundamentos de todas as capacidades humanas e o cérebro chega num patamar capaz de servir de instrumento para o pensamento desenvolvido.

A linguagem se desenvolve e o ser humano adquire a capacidade de desenvolver cultura. Os fundamentos das leis éticas também se manifestam, porém, em estágio embrionário.

A partir de então, a humanidade começa a acumular conhecimentos, experiências e não apenas modificações físicas. Essa é a base da transformação espiritual e cultural.

Com o tempo e com as necessidades impostas pelo meio, com o desejo de se desenvolver, com as invenções, a educação, a difusão cultural, as faculdades paranormais e o acúmulo de informações e potenciais no inconsciente, as culturas e a humanidade como um todo se desenvolvem e se unem.

Os aspectos espirituais, religiosos, éticos, filosóficos, científicos, econômicos, sociais, jurídicos, artísticos e políticos de um povo se desenvolvem de forma interligada.

Os elementos da cultura se desenvolvem simultaneamente. Assim, a ética se desenvolve junto com a filosofia, a religião, a ciência, a arte, a economia, a tecnologia, a organização política e com a organização social. Nenhum elemento se desenvolve totalmente de forma isolada.

Por outro lado, a espiritualidade, a filosofia e a ética têm uma relativa autonomia e o seu desenvolvimento, junto com os outros elementos, leva à ética do reconhecimento da universalidade dos direitos humanos.

A ética se constrói pelo conhecimento das necessidades do “outro”, como fruto de lutas sociais e pelo desenvolvimento das instituições. Porque de nada adiantaria uma consciência ética avançada sem as condições materiais e sociais necessárias para sua realização.

O ser humano passa a compreender a igualdade essencial de todas as pessoas e suas necessidades e direitos à medida que passa a se perceber como membro de toda a humanidade. O próprio desenvolvimento técnico e econômico colabora com essa globalização.

Segundo Pinker (2004, p. 233, 234), o ser humano ao longo da História vai alargando o círculo de solidariedade; a princípio ele pensa só na família, em seguida valoriza como seres humanos apenas os membros da tribo. Mas essa solidariedade passa da tribo para a nação, desta para o país e daí para toda a humanidade; também passa a abranger as mulheres, as crianças, os pobres, as etnias, os homossexuais e os portadores de deficiências.

O desenvolvimento do conhecimento moral leva à compreensão de que toda a humanidade tem uma igualdade e dignidades essenciais e representa uma grande família.

O núcleo universal de valores

Embora muitas regras morais variem no espaço e no tempo, sendo produto da cultura ou do espaço geográfico, a ética, porém, reveste caráter universal.

A ética é universal, é natural e ocorre de acordo com a lógica e com leis científicas. Não se pode negar que haja uma natureza humana.

Nenhuma cultura é isolada e independente do restante da humanidade e nenhuma cultura está destinada a existir numa imutabilidade petrificada.

A ética e a moral são derivadas da consciência, através dos arquétipos, que são operacionalizados através da razão e da intuição dos seres e das comunidades de seres.

Isto pode ser verificado na presença universal dos valores éticos e morais fundamentais em todos os povos do mundo, o que demonstra, segundo Goswami (2007, p. 304), o imperativo categórico formulado pelo filósofo Immanuel Kant. O imperativo categórico declara que os imperativos morais estão inscritos na consciência da humanidade.

Essa ética e essa moral fundamentadas na consciência também podem ser chamadas de direito natural ou núcleo universal de valores.

Existe um núcleo universal de valores. Esse núcleo vale para todos os tempos e lugares. O núcleo universal de valores existe como potencialidade na humanidade e já é real em algumas regiões.

O direito natural ou núcleo universal de valores, inscrito na razão, é o fundamento para os diversos códigos morais e legais.

Podemos enumerar os seguintes exemplos de conjuntos de preceitos que são derivados dos imperativos éticos universais:

1) As inspirações que recebemos de nossa consciência nos aspectos coletivo e individual.
 

2) Os ensinamentos iluminados e progressistas no campo da filosofia, da ciência e da religião.
 

3) A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Ministério da Justiça, 2013).
 

4) As declarações de direitos das crianças, dos idosos, das mulheres, dos homossexuais, dos religiosos, das nações, das etnias em geral, dos afrodescendentes, dos indígenas, dos imigrantes, dos trabalhadores e dos portadores de necessidades especiais.
 

5) A Declaração Universal dos Direitos dos Animais (Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2013) e a Carta da Terra (Website Oficial da Carta da Terra, 2013).

É preciso frisar, porém, que todos os códigos morais, declarações e tratados de ética são fundamentados nos valores universais naturais, mas não são totalmente idênticos a eles.

O núcleo universal de valores implica numa unidade psíquica da humanidade e numa unidade de senso moral. A humanidade tem o mesmo potencial intelectual e ético.

O núcleo de valores abrange grupo social, família, parentesco, cuidado e instrução dos filhos, solidariedade, autocrítica, desejo de correspondência, afeto, justiça, organização política, status e papéis, trabalho, religião, linguagem e arte.

O respeito às normas do grupo, a distinção entre o bem e o mal, verdadeiro e falso são universais. Não são meras opiniões ilógicas e emocionais. Esse núcleo universal comprova a existência da natureza humana.

O núcleo universal é um desenvolvimento lógico da natureza humana. O núcleo de valores é fundado na consciência, na razão, na emoção e no sentimento.

Ele não deriva apenas de necessidades físicas ou estritamente relacionadas a fatores geográficos, mas de necessidades psíquicas, espirituais e racionais.

A ciência, a religião e a filosofia também influenciam o desenvolvimento da ética.

O núcleo de valores se desenvolve com o enriquecimento progressivo da razão e todos os povos possuem o núcleo universal.

A humanidade ao mesmo tempo em que se diversifica culturalmente busca uma união universal.


Referências

Site: Conselho Federal de Medicina Veterinária. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. (Acesso em 2013).
http://www.cfmv.org.br/portal/direitos_animais.php

Dalai Lama. Uma Ética para o Novo Milênio. Tradução: Maria Luiza Newlands. Rio de Janeiro. Sextante, 2000.

Goswami, Amit. O Universo Autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. Tradução Ruy Jungmann. – São Paulo: Aleph, 2007.

Site: Ministério da Justiça. Declaração Universal dos Direitos Humanos. (Acesso em 2013).
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, vol. I; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985.

Pinker, Steven. Tabula Rasa. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Site: Website Oficial da Carta da Terra. O Texto da Carta da Terra. (Acesso em 2013).

http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/text.html